Por Rita Cavalcante, COO da iblue Consulting
Como tudo começou: O início da minha jornada na computação
Em 1995, eu era uma estagiária de computação cheia de curiosidade, mas sem a menor ideia do quanto o mundo do trabalho mudaria ao longo da minha trajetória. Comecei escrevendo linhas de código, enfrentando desafios técnicos diários, e com o tempo, me tornei programadora, líder técnica e arquiteta. Não havia atalhos, apenas uma escada longa a ser escalada com esforço constante.
Depois, a carreira evoluiu naturalmente: fui para a gestão de projetos, até assumir cargos de diretoria e hoje, como COO, olho para trás e vejo o quanto essas etapas foram fundamentais. Mas quando olho para as gerações mais novas, percebo que o caminho delas no mercado de trabalho é bem diferente do que o meu foi.
Para quem, como eu, o conceito de sucesso no trabalho envolvia estabilidade e uma progressão clara e linear. Você começava na base e, com tempo, comprometimento e resultados consistentes, subia de cargo. Trocar de emprego não era tão comum, e “pular etapas” simplesmente não fazia parte da realidade.
Além disso, enfrentávamos ambientes mais hierárquicos, com regras rígidas e pouca flexibilidade. Sem contar no “pré-conceito” de ser mulher em uma profissão dominada pelos homens. As tecnologias evoluíam, mas de forma gradual, e a cada novidade, tínhamos que nos adaptar e reaprender — o que exigia paciência e persistência.
A geração atual: Propósito imediato, agilidade e flexibilidade
Quando olho para os profissionais que entram no mercado hoje, vejo uma realidade bem diferente. Eles cresceram num mundo hiperconectado, com acesso fácil à informação e uma mentalidade de “tudo é possível rapidamente”. Isso trouxe uma agilidade natural para se adaptarem às mudanças e dominarem novas tecnologias.
O propósito é central para eles: não se trata apenas de trabalhar, mas de trabalhar em algo que tenha significado. Isso também influencia a forma como enxergam a carreira — trocam de emprego sem medo, sempre buscando o próximo desafio ou um ambiente que se alinhe aos seus valores. No entanto, essa busca constante pode ser uma faca de dois gumes.
Na minha época (é estranho escrever isso, eu sei), escrever código envolvia horas de dedicação, revisões manuais e muitos testes para garantir que tudo funcionasse. Hoje, com o avanço das ferramentas de low-code, automações e inteligência artificial, muitas dessas tarefas são feitas rapidamente. O tempo para entregar resultados diminuiu consideravelmente.
Mas isso também levanta uma preocupação: será que os profissionais de hoje estão absorvendo a lógica por trás das ferramentas, ou estão apenas utilizando o que já está pronto? Saber operar uma tecnologia não é o mesmo que entendê-la profundamente. E, sem essa base sólida, as mudanças futuras podem se tornar obstáculos difíceis de superar. O que vejo que conceitos simples mas essenciais para saber como determinada coisa funciona, estão sendo deixados para trás, afinal com as IAs da vida, para que precisamos entender o conceito, não é mesmo? (já ouvi essa frase de alguns jovens devs).
Soft skills: O desafio da geração atual
Algo que aprendi ao longo da carreira é que hard skills abrem portas, mas são as soft skills que te mantêm dentro delas. A capacidade de se comunicar, alinhar expectativas, resolver conflitos e assumir responsabilidades foi essencial para minha transição para cargos de liderança.
Mas, quando olho para a geração atual, percebo um desafio preocupante: muitas vezes, falta o básico. Comprometimento, responsabilidade, disciplina — coisas que deveriam ser padrão no ambiente corporativo, mas que nem sempre estão presentes. Essa geração tem uma enorme capacidade de adaptação, mas a cultura do imediatismo pode gerar dificuldades na hora de lidar com a pressão e os compromissos de longo prazo.
Sem essas habilidades, oportunidades podem até surgir, mas a dificuldade em se manter nelas é real. E é aqui que vejo um papel importante da nossa geração: compartilhar essas lições sobre consistência, entrega e responsabilidade.
Minha geração tem uma bagagem valiosa para oferecer. Sabemos que grandes conquistas não vêm da noite para o dia e que paciência e resiliência são peças fundamentais no quebra-cabeça do sucesso. Podemos mostrar que, às vezes, o caminho mais longo é o que realmente constrói a base para o futuro.
Por outro lado, também temos muito a aprender. A mentalidade da geração atual — aberta a mudanças e ávida por propósito — nos lembra que adaptar-se não é um sinal de fraqueza, mas de inteligência. Precisamos estar dispostos a abraçar novas ideias, mesmo quando elas desafiam o status quo.
A grande questão é…
O mercado de trabalho não é (e não deveria ser) uma competição entre gerações. É uma oportunidade de colaboração. Quando unimos a experiência e a resiliência da minha geração à ousadia e flexibilidade da geração atual, conseguimos construir ambientes mais inovadores, colaborativos e preparados para os desafios do futuro.
Minha jornada, desde estagiária até COO, me ensinou que o sucesso não está só no cargo que ocupamos, mas no impacto que deixamos pelo caminho. E, nesse sentido, acredito que podemos aprender juntos, compartilhar experiências e continuar construindo, lado a lado, um mercado de trabalho mais forte e equilibrado.